O Corpo Conta uma História de Identidades
1/4/2000
Del Pilar Sallum trabalha com o corpo incitando solidão e memória. Em sua série Ataduras, molda fios metálicos, obsessiva e espessamente, ao redor de seus dedos e mãos. Desse modo, eles se transformam em suportes. Fios moldados, enrolados e ocos, eles se tornam esculturas sobre o vazio, a solidão, a memória da fisicalidade que as produziu. Esvaziado do conglomerado metálico, o corpo da artista se desintegra, vira passado. As esculturas produzidas tornam-se então receptáculos de memórias, recipientes de lembranças, asulos nulos de vida.
Em seus trabalhos de vídeo-performance, a ação enrolar e desenrolar os fios que se repete incessantemente torna-se um prolongamento do corpo- mais especificamente, das mãos- escolhido consistentemente pela artista como veículo para a construção de um trabalho intimista e constrangedor, a experiência da construção matérica das esculturas ataduras, realizada pela ausência física, se radicaliza.
Aqui o processo que se realiza no tempo não chega à lugar algum, estabelecendo uma narrativa circular. A temporalidade de enrolar/desenrolar é aprisionada, como uma melodia sobre vinil riscado. A repetição da ação ziguezagueante determina uma relação em que qualquer vestígio de causalidade se apaga. Dessa translucidez da cena, emerge uma relação esquizofrênica: pela repetição, tornamo-nos íntimos e cúmplices desse enrolar/desenrolar autista. Com nossos olhares, desencantados com as narrativas lineares propostas pelo sistema de produção, estabelecemos uma identificação promíscua com aquele corpo compulsivo, desprovido da possibilidade de escapar de sua vazia e incessante trajetória.
Outra série da artista, Impressões, mostra um amontoado de impressões digitais. Dos dedos da artista, feitas de bronze, alternadamente côncavas e convexas, realizadas a partir da prensa de seu polegar em moldes de areia e argila. A multiplicação de suas digitais escultóricas, transforma-se em registro obsessivo do corpo e da identidade. Traduzida em uma multiplicidade de formas que buscam, na quantidade de réplicas, registrar a cópia impossível em sua similaridade, o amontoado se desdobra em uma massa de elementos não padronizável. Os pequenos polegares-esculturas, juntos em quantidade, tornam-se elementos do imaginário contemporâneo. Ora lembram formas marinhas, como conchas e mariscos, teimosamente brotados sobre a superfície, ora assumem formas escatológicas, imprecisas excreções avolumadas como múltiplos indesejados e inevitáveis.
O Corpo conta um História de Identidades in Novíssima Arte Brasileira – Um Guia de Tendências; 2000, Ed. Iluminuras, SP, pg. 52/54
Katia Canton
Em algum momento antes de mim – a inscrição brumosa da transmissão
At some point before me - the misty inscription of the transmission
The W Contemporary Art Center opens its programming in 2021 with artists Del Pílar Sallum and Weimar