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COMO HABITAR O DESENHO

 
[...] Exemplos de recursos que me trazem alguma dor na solidão de um ambiente fechado, lugar em que a forma preta das fotografias-desenhos de Del Pilar Sallum adentra, sem cerimônia, rodeada pela branquitude estourada de luz, dos lençóis, de vestígios corporais da artista. No entanto, mesmo que seja uma mancha que avança e domina o espaço, ela é uma forma extenuada em sua extensão e intensa em absorção, conversando pouco com as dobras cinzas dos tecidos (não produzindo gradações): é o peso tombado em sua horizontalidade quase última, muda e trágica em sua presentidade.
(...)
Estes trabalhos de Del Pilar nos mantêm fixados no aqui, atraídos pela mancha prostrada; são manchas escultóricas e por isso pesam tanto.
(...)
 Reunir tais propostas pelo viés do afeto é pensar também nos graus de performatividade que cada proposta encampa. Penso em performatividade no sentido de uma espécie de reforço presencial, dupla exposição do sujeito enunciador:  ele expõe à audiência sua ação, ao mesmo tempo em que expõe a si mesmo, em ação.
Nesta sobra presencial inquietante, percebo (...) em Del Pilar Sallum, um modo performativo de a artista se prostrar na cama, envolta em um manto escuro; jogo entre valores e vestígios de corpo que se recusam a ser cobertos pela mancha-manto derradeiro; inquieta-nos o excesso dessas sobras, até mesmo a prostração do corpo-mancha em sentido contrário ao sentido da cama.
 
 

[...] Examples of resources that bring me some pain in the solitude of a closed environment, a place where the black shape of Del Pilar Sallum's photo-drawings enters, without ceremony, surrounded by the bursting whiteness of light, of sheets, of body traces of the artist. However, even if it is a stain that advances and dominates the space, it is a form exhausted in its extension and intense in absorption, talking little with the gray folds of the fabrics (not producing gradations): it is the weight dropped in its horizontality almost last, dumb and tragic in its presentness.
(...)
These works by Del Pilar keep us fixed here, attracted by the prostrate stain; they are sculptural stains and therefore they weigh so much.
(...)  
Bringing such proposals together through the bias of affection is also thinking about the degrees of performativity that each proposal takes. I think of performativity in the sense of a kind of face-to-face reinforcement, double exposure of the enunciating subject: he exposes his action to the audience, while exposing himself, in action. In this disturbing presence, I perceive (...) in Del Pilar Sallum, a performative way for the artist to prostrate herself in bed, wrapped in a dark cloak; game between values ​​and body traces that refuse to be covered by the ultimate stain; we worry about the excess of these leftovers, even the prostration of the body-stain in the opposite direction of the bed.  

Cláudia França

Vitória, março-abril de 2018

(texto adaptado pela própria autora)

 

Referências utilizadas | References used

BENJAMIN, Walter. ________. A origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.

ELIAS, Norbert. “Introdução”. In:____. O processo civilizador. V.1. Rio de Janeiro, Zahar, 1994.

 

Texto Completo

 

Como habitar o Desenho é constituída por trabalhos do grupo de pesquisa Estratégias Expositivas do Desenho em Arte Contemporânea, vinculado ao Instituto de Artes da UNICAMP (Campinas, SP). O grupo de pesquisa, sob a liderança da Prof.ª Dr.ª Lúcia Fonseca, é integrado por catorze membros, em sua maioria, orientados por ela em pesquisas de mestrado e doutorado; comporta ainda membros convidados, como livres pesquisadores e recém doutores, docentes da UNICAMP e de outras universidades.

As atividades do grupo são regidas por diversas possibilidades e modalidades gráficas e pelo conceito expandido que envolve a pesquisa de suportes, de gestualidades e de materiais gráficos. O grupo Investiga o Desenho contemporâneo a partir de algumas chaves de acesso, que podem passar pelo ato de escrever, ler, cartear, registrar, apagar, acumular, narrar, mapear, mover, projetar, instalar, ocupar, compartilhar e pensar. O estudo abrange o processo da criação observado sob os pontos de vista do local expositivo e do material de gaveta: a complexidade de estágios de criação na relação entre o ateliê e a exposição.

Nas reuniões internas do grupo, tem sido possível perceber as nuances poéticas, as intencionalidades, usos e desusos de técnicas, referências artísticas e conceitos operados no fazer singular de cada um. De igual maneira, tem sido perceptível as “medidas móveis” de aproximação e distanciamento do campo Desenho: interfaces com outras linguagens da arte contemporânea, como a fotografia, livros de artista, performance, gravuras, objetos e instalações; a palavra escrita e sua inserção no universo literário.

Para a presente exposição, sob curadoria da Prof.ª Dr.ª Cláudia França, artista e docente da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a ideia partiu do desejo de apresentar um percurso mais abrangente das pesquisas de cada um dos artistas. Para isso, a curadora adotou uma leitura geral desta categoria como nossa capacidade de reconhecer linhas, texturas e adensamentos das relações entre o preto e o branco ou situações de cores em contraste intenso, em quaisquer situações comuns do cotidiano, traduzindo-as para “fatos poéticos”. O Desenho aqui é percebido como um espírito – termo usado não em seu sentido religioso, mas como energia de que é tomada nossa consciência – tal como adotado livremente pelo arquiteto Vilanova Artigas e pelo poeta Paul Valéry, ao referirem-se à intimidade do artista com o ato de criação, em uma incessante via de mão dupla entre a ideia e a matéria.

Além do reconhecimento do Desenho como ato do espírito e de sua vinculação com o cotidiano, está em questão, na curadoria, os modos de o Desenho alojar-se em outro lugar, habitar, tomar posse de um espaço. Quando ocupamos um lugar com propriedade atribuímos funções, ressignificando-o: assim, o Desenho habita os lugares de intervalo entre a escrita e o desenho, entre este e o livro de artista, entre a fotografia e o desenho, este e o tecido, as opacidades e transparências dos suportes podem ocultar ou revelar o desenhado, o objeto o protege ou se aproxima dele na solicitação de uma intimidade. Cada um dos artistas construiu um modo próprio de alojar, de habitar o Desenho em seus trabalhos, construindo ao mesmo tempo, estratégias expositivas da categoria em suas poéticas.

O ato expositivo é, por si só, um modo de habitar. De modo efêmero, os trabalhos artísticos se alojam no espaço expositivo e ali respondem aos desafios oferecidos por suas características formais, climáticas, temporais, sociais e culturais. O desafio é a construção de narrativas outras que possam ser suscitadas, no exercício da “boa vizinhança”.

Penso aqui no conceito de “configuração” de Norbert Elias (O processo civilizador, vol.1), ao pensar no caráter móvel das relações de interdependência do indivíduo com a sociedade. O sociólogo vale-se da imagem de uma dança de salão para pensar como concatenar o público e o privado, o individual e o institucional. Em uma pista de dança deveria ocorrer uma configuração, pois a música determina que as pessoas, na pista, façam uma interconexão de seu corpo e sua rítmica próprios com os ritmos do(s) outro(s), pois não dançam sozinhos. Dançar, nesses termos, é uma socialização: conciliar o particular com o particular do outro.

Penso também na imagem de “constelação”, usada por Walter Benjamin (A origem do drama barroco alemão), para pensar um método e filosofia para a História. Constelação é antes de tudo, um desenho, imagem respectiva a uma configuração singular e móvel, forma sugerida quando olhamos para cima: podemos pensar em estrelas como pontos que, quando religados geram formas que nos importam em determinado contexto. “As ideias se relacionam com as coisas, assim como as constelações com as estrelas”, nos coloca Benjamin. Constelação, desse modo, seria o desenho definido pela relação entre as peculiaridades espaciais e contextuais dos espaços expositivos com os trabalhos artísticos a serem apresentados. A constelação definiria um modo de o Desenho habitar um espaço.

Postas estas breves considerações, a proposta curatorial vem a partir de alguns questionamentos: de que modo os trabalhos de Adriana Dias, Daniela Avelar, Del Pilar Sallum, Heloísa Angeli, Júnior Suci, Laís D’Oliveira, Lúcia Fonseca, Luciana Valio, Luise Weiss, Merien Rodrigues, Renato Almeida, Valéria Scornaienchi e Yuly Marty configuram uma dança de salão? Como habitar o desenho se constitui em uma constelação na Galeria de Artes do Centro de Artes da UFF?

               

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Concebi eixos, a partir dos quais os trabalhos poderiam se aproximar. Foram pelo menos quatro, e em cada tentativa, certas propostas artísticas recusavam-se a permanecer nos campos atribuídos, preferindo visitar mais de um eixo. Este aspecto me faz inferir que cada setor pode possuir seu núcleo duro e seus elementos orbitantes, os quais se incumbem de oferecer a passagem a um próximo passo de dança, ou mesmo dão a extensão do desenho constelativo.

Optei pela divisão do grupo em quatro seções, em que as considerações remetem as propostas ao aqui e ao ali, desejando a circulação diferenciada do espectador, não apenas acompanhando o perímetro da galeria, e sim no ir e voltar para rever um detalhe.

Um grupo inicial, denominei-os de Afetos do Desenho. As propostas apresentadas relacionam-se de algum modo a emoções agressivas, irônicas, dolorosas e melancólicas, nos usos mais diretos e simples da prática gráfica. Nele comparecem trabalhos de Renato de Almeida, Del Pilar Sallum, Júnior Suci e Adriana Dias.

Exemplos de recursos que me trazem alguma dor na solidão de um ambiente fechado, lugar em que a forma preta das fotografias-desenhos de Del Pilar Sallum adentra, sem cerimônia, rodeada pela branquitude estourada de luz, dos lençóis, de vestígios corporais da artista. No entanto, mesmo que seja uma mancha que avança e domina o espaço, ela é uma forma extenuada em sua extensão e intensa em absorção, conversando pouco com as dobras cinzas dos tecidos (não produzindo gradações): é o peso tombado em sua horizontalidade quase última, muda e trágica em sua presentidade.

(...)

Estes trabalhos de Del Pilar nos mantêm fixados no aqui, atraídos pela mancha prostrada; são manchas escultóricas e por isso pesam tanto.

(...)

 Reunir tais propostas pelo viés do afeto é pensar também nos graus de performatividade que cada proposta encampa. Penso em performatividade no sentido de uma espécie de reforço presencial, dupla exposição do sujeito enunciador:  ele expõe à audiência sua ação, ao mesmo tempo em que expõe a si mesmo, em ação. Nesta sobra presencial inquietante, percebo (...) em Del Pilar Sallum, um modo performativo de a artista se prostrar na cama, envolta em um manto escuro; jogo entre valores e vestígios de corpo que se recusam a ser cobertos pela mancha-manto derradeiro; inquieta-nos o excesso dessas sobras, até mesmo a prostração do corpo-mancha em sentido contrário ao sentido da cama.

 

Cláudia França

Vitória, março-abril de 2018

(texto adaptado pela própria autora)

 

Referências utilizadas

BENJAMIN, Walter. ________. A origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.

ELIAS, Norbert. “Introdução”. In:____. O processo civilizador. V.1. Rio de Janeiro, Zahar, 1994.

Temporada de Projetos

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A Mão Revelada

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Del Pilar Sallum

Del Pilar Sallum (english)

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Como habitar o desenho

How to liven up the design

Claudia França

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