top of page

Corpo/Suporte

Body/Suport

Maria Izabel Branco Ribeiro

Del Pilar Sallum

Del Pilar Sallum (english)

Maria Izabel Branco Ribeiro

 

Os Fios da Matéria

Materic Threads

Stella Teixeira de Barros

 

Del Pilar Sallum e as Metáforas do Corpo
Julho 2015

 

     A pesquisa e os resultados estéticos e visuais de Del Pilar Sallum se sustentam em seu trabalho pessoal. A artista faz seu corpo existir como símbolo e objeto; não como módulo encarnado reconhecível do eu. Fornece-lhe na representação um movimento, como nas palavras e no próprio corpo, símbolos incorporados ao conjunto. Concomitantemente, estrutura jogos de deslocamentos e cortes que diluem as possibilidades de se estabelecer uma nomenclatura pessoal para o relatado. Como coloca a artista: “Nas minhas autorrepresentações, procuro estabelecer uma comunicação com o espectador, com o intuito de discutir as questões do cotidiano mais contundentes, neste caso, a subjugação feminina”. Ao mesmo tempo, ela remete à urgência de um corpo ativo, destruindo o corpo passivo e movimentando subjetivamente as discussões. 

     Como na Teoria da Relatividade, a hipótese que a artista coloca é a de que a localização dos eventos físicos (obra x obras x espectador), tanto no tempo como no espaço, é relativa ao estado de movimento do observador. Sallum descreve a física do movimento no marco de um espaço-tempo plano e tridimensional, mas deixando implícito que o movimento do(s) corpo(s) é dependente do tempo e da velocidade do deslocamento e suas interações. Nessa relação espaço-tempo (seguindo os preceitos de Hermann Minkowski (1862-1909)), entrelaça de maneira insolúvel, numa variedade tetradimensional, as três dimensões espaciais e o tempo. 

     É o corpo fluidificado no conjunto desordenado, quase sempre com alusões à moda: tecidos cuja maleabilidade combina-se em formas disformes e grades adimensionais estruturadas geometricamente nos suportes. Formam-se, assim, conjuntos que superam seu estado bidimensional e se projetam em margens ilimitadas de quatro dimensões. No tecido, e este no corpo, e vice-versa, sem limites espaciais com o objeto vizinho e de cada um com o todo. Na série Mutações imagéticas, essas relações corpo/objeto/espectador, deformações que a artista consolida no processo de pesquisa e execução, tornam inidentificável o resultado (que, no entanto, é identificável na associação direta com o Eu possível). Agudizando a dúvida do lugar, do espaço e do tempo no representado, por outro lado Sallum aplica um movimento instalativo que propõe a reformulação de cada componente estrutural e materialmente em qualquer deslocamento do espectador no espaço por cada uma das obras. Estabelecem-se assim, direta ou indiretamente, campos eletromagnéticos do uno com o único e deste com o todo. Essa fluidez já era evidente nas obras dos anos 1990, como em Impressões e nas séries Atadura e És terra.

     A artista revela nos resultados de sua pesquisa o uso de suportes, técnicas e linguagens em interfaces constituídas a partir das relações estabelecidas, que evidenciam atenção aos processos evolutivos na história da arte. São materiais processualmente relacionados a uma diversidade de substâncias, texturas e sensações, como resultado de processos científicos de perquisição. Assim, a ciência é implantada no centro da poética da artista, onde prevalece um requinte tecnológico contemporâneo de pesquisa, presente desde o início da investigação, precedida pelo projeto, até a execução final da obra. A série Desenhos intrusivos, por exemplo, exibe as habilidades de Del Pilar Sallum numa cartografia traçada pela estruturação gráfica dos percursos de luz na gravura e na fotografia. Já na série Pele, através da captura pela memória a artista transporta para a fotografia, utilizando light painting, a ductilidade das lembranças e do objeto/suporte. A artista demonstra, assim, habilidade e conhecimento dos recursos técnicos aplicados à arte e da Arte em si. Trata-se de uma cartografia sensorial realizada a partir da composição gráfica, na qual a grafia das palavras gera uma incerteza, uma instabilidade e um movimento eternizados pela generalização que lhes confere a artista, mas que na estabilidade do Eu são temporais e identificáveis. Nesse sentido, as palavras são metáteses das sentenças coletivas. 

     No vídeo da instalação Existe um espaço na alma onde a respiração não cessa, porém o coração sente e resmunga... a maleabilidade dos deslocamentos produzidos pela técnica aguça a rigidez do registro. Ângulos desbalizados e registrados em movimentos de plasticidade gráfica salientam o domínio estético das composições da artista. A projeção do corpo numa superfície espetacular – para que o espectador verifique que a imagem não é a artista, é o corpo da artista – induz a diluição das fronteiras do espaço e do corpo. Como salienta  Del Pilar Sallum,

 

Um entre muitos também tem a preocupação de discutir a ontologia do 

autorretrato fotográfico. A diferença está no processo da captura. 

Apropriando-me da técnica do autorretrato pictórico clássico, capturo 

minha imagem projetada no espelho. Fotografo a minha imaterialidade. 

[...] Interesso-me por esse procedimento de transformar uma imagem em 

imagem novamente. Apreendo meu corpo desmaterializado e o devolvo 

objeto pelo jogo fotográfico. O espelho, às vezes o exponho e às vezes não 

[...]. Um entre muitos mostra um corpo com tarja preta encobrindo sua 

identidade. É a antítese do autorretrato. 

 

     Transita-se assim da inércia da instalação ao movimento gerado no vídeo: imagens em palavras, palavras como imagens. É o corpo em imagens, o corpo 

numa imobilidade transportada espacialmente através do vídeo. Configuram-se estruturas no território espacial, projetadas sensorialmente num espaço atemporal e sem limites espaciais, assimiladas também desde um plano comum. 

           Essas relações geram mapas metagráficos inacabados, onde as próprias formas particularizam a linguagem visual. Com isso a artista exprime o mistério da forma, que mais se enfatiza e impregna de significados à medida que o representado se desincorpora de sua função primária.

     O conjunto de obras evidencia, na minha opinião, o poder das formas, sem comprometer na junção das grades o verdadeiro valor das mesmas. Sallum implanta um ambiente carregado de presságios e expectativas, não apenas nas imagens representadas, mas também no “movimento” dos objetos e dos vestígios do cotidiano, bem como na presença de formas evocativas e alusivas que se 

convertem em traços cíclicos interrompidos, incompletos, cheios de mistérios a decifrar. Estabelecem-se relações difusas entre os planos nas obras. São planos intrusivos de acentuados deslocamentos, fissuras e ruídos de linguagem transgredidos nos contrastes de claros e escuros (imagem, luz, suportes, espaço expositivo), nos quais os elementos geométricos se misturam à figuração. A permanência das intensidades dos claros e escuros em todos os suportes dá uma dimensão da tensão aparecimento/desaparecimento que a artista propõe na ordem do ambíguo e na indefinição do irreconhecível e inominável. São composições variáveis que apagam a dependência de cada uma das partes entre si, excluindo referências literais e construindo diversas possibilidades morfológicas que recriam um âmago livre, repleto de interpretações sensoriais possíveis. O inacabado e o intermediário se tornam metáforas de um processo temporal.

     Passado tanto tempo desde o surgimento da humanidade, o Universo continua sendo tão incompreensível para nós como deve ter sido para os babilônios. Entretanto, o mais importante, tanto para a ciência como para a arte, é que a curiosidade e a capacidade de assombro primem sobre o dogmatismo. Nesse contexto, as obras de Sallum são microcosmos de um universo plástico, são arte vestindo arte para melhor fazer parte do Universo. O enigma é a razão da pesquisa da artista e, consequentemente, a provocação de sentimentos interrogativos acerca do real, indicada numa orgulhosa aptidão para a representação. É um enigma, esse jogo de inteligência que Sallum exercita ao subverter o sentido lógico e a ordem aparente da realidade – um enigma que fertiliza toda a sua produção visual, com resultados transbordantes de sensibilidade e qualidade autoral.

 

Andrés Hernández

Curador

São Paulo, julho de 2015

Tempo-Mão

Time Hand

Stella Teixeira de Barros

A Mão Revelada

The Revealed Hand

Stella Teixeira de Barros

 

Temporada de Projetos

Seasons of Projects

Cristiana Mazzucchelli

 

bottom of page