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A Mão Revelada
2/2/1998
 

A fotomontagem não é apenas uma reinvenção do instantâneo fotográfico ou uma variação sobre o tema, mas uma composição de ritmos criados por matizes de luz e sombra, por tonalidades macias e sensuais de ondulações plásticas engendradas pela imagem primeira e consubstanciada pelo conteúdo que se desdobra a partir dessa imagem. É assim que Del Pilar Sallum constrói seu trabalho, condicionando-o, com persistente fidelidade, ao seu universo tátil de incansáveis mãos doridas que tecem o tempo: o que antes era explícito no processo dos fios metálicos que são postos a envolver as mãos, para em seguida delas serem desenrolados, gravando sulcos e inchaços na carne entumecida, agora se contém em gestos secos, mas que não escondem a trajetória densa de uma mesma essência. 

Um único negativo frontal das costas de uma mão segmentada é o ponto de partida, onde a marca impressa pelos fios de metal inscreve apenas uma linha suave, esmaecida na aparência carnal desfocada. Por vezes, o negativo fotográfico é invertido, duplicando a imagem montada; outras vezes as imagens resultantes dessa inversão são rebatidas de ponta cabeça. Compondo um grande painel de dezesseis fotogramas, os elementos se alinham entre si como ordenação sucessiva multiplicadora da sensualidade da massa epidérmica. A repetição da imagem produz um novo corpo, assinalado por encontros discretos de luzes e sombras, e afirma o contato afetivo entre as mãos, por onde a linha se desloca num gesto fugaz. Mas se o desenho da linha não abole o aspecto escultórico, tampouco autoriza o registro da imagem como expressão gestual. O gesto é absorvido no todo, e logo se integra no corpo revelado como fotografia, ao longo dos desdobramentos seriais. Num tom surdo, sutil, a morfologia carnosa elabora a memória como repetição tátil, que canta a fragilidade humana, mas também seu oposto, pois se exime da sedução das formas. É uma combinatória de repetições que não teme repetir-se, pois a repetição se dá como repetição da experiência que repensa a experiência. 

A re-elaboração da imagem fotográfica cumpre seu objetivo, enveredando por um caminho que, embora com outra entonação, Jorge de Lima já intuíra ao desarticular a representação: revisita a figuração, e, ao abstraí-la em fotomontagens ritmadas, transforma-a em poema fotográfico. 

(Catálogo). Exposição do XVI Salão Nacional de Artes Plásticas-Rio de Janeiro, 1998

 

Stella Teixeira de Barros 

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